Quem conhece a Cia. do Abração sabe que trabalhamos com espetáculos de repertório, ou seja, não abandonamos a obra de arte no final da temporada, ela continua viva e se alimentando durante a sua sustentabilidade, um exemplo claro disso é o espetáculo "Sonho de Uma Noite de Verão" que já tem 13 anos. Dessa forma, apresentamos muito em diversos lugares (não vou entrar exatamente na parte profunda que é para um ator jovem e inexperiente entrar num espetáculo que nasceu muito antes da sua vontade de ser artista profissional), viajamos para perto, para longe, conhecemos pessoas incríveis outras que precisam trabalhar sua habilidade em se relacionar com as outras e por aí vai... Nesse trem que vai e volta, dá voltas, volta pra si, volta pro outro, aprendemos muitas coisas, compartilhamos o amor, a renovação, o encontro, as almas, o grupo. A força que se constrói naquilo que nos prontificamos a doar nossas vidas - a arte - quando viajamos, alimenta nossos espíritos e cria uma identidade em conjunto, observamos nossas qualidades e principalmente, as falhas.
Os erros são contundentes e irremediáveis, ainda mais no Teatro, a arte de encontro entre o homem e o homem. Nada foge da lente do espectador, desde aquele com o olhar mais frágil até aquele com uma relação mais profunda com essa arte, seja um erro provocado pelo ator, pela técnica, por forças maiores, eles são tão fortes naquele lapso de instante que provam a força maior do TEATRO, sua efemeridade fica evidente em cada segundo, as ações parecem retrógradas, como se fosse uma corrida pra alcançar o ponteiro dos segundo de um relógio. E é exatamente aí que as falhas são desfocadas, onde a única razão pelo teatro existir aparece, o trabalho do ATOR.
Quando esse indivíduo/corpo/substância/energia/alma está cheio de energia e concentração, sua técnica sobrepõe inconscientemente os erros, controla a situação e não se prova como isso acontece através de uma tese científica, pois a efemeridade vai além de uma reflexão, ela dialoga com um tempo que é ínfimo ao pensamento, é o instinto, a reação, o reflexo que se concretiza através do suor da maquiagem ardente nos olhos, da energia que flui por cada poro desse corpo.
Individualmente, sobrepujar uma falha é um processo muito particular e constitui-se em várias camadas que se relacionam com uma parte psicológica, emocional e outra parte física, material, sensível.
Mas, a maior energia que faz tudo isso se diluir e toda a beleza e essência do espetáculo aparecer, é o grupo. Os corações pulsam no mesmo instante, os medos, as inseguranças, os olhares se revelam juntos. Um grupo conectado dialoga com o espírito, uma relação que vai além do palco, é na vida que se fortalecem as relações, no espetáculo fica só o essencial, só o que o público merece ver, nossos segredos ficam entre nós, nossos mistérios e desejos ficam guardados pra gente como uma contra-força que alimenta o belo visível e sensível para a plateia.
É aí que o Teatro faz sentido, quando o homem se encontra com o homem não apenas para "Executar um projeto" (executar em vários sentidos aqui), mas para transcender juntos um mundo de nuvens negras individuais, chuvas ácidas corrosivas do espírito, voar com os sonhos, ir além dos hologramas (essa é uma referência de outra experiência que quero me deter a contar).
Ah a viagem... Nos trilhos de um trem que não tem fim, ainda temos muitas estações para estacionar, carregar nosso vagão de experiências e cuidar par que cada vagão não desengate.
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